O paradoxo do Impostor
- Rogério Cathalá
- 10 de set.
- 4 min de leitura
Desconfio que, em algum momento da vida você já se questionou sobre o seu próprio valor, seu talento ou sua pertinência como artista/profissional. Acompanhado de um sentimento estranho: o medo de se expor, de algum dia arrancarem sua máscara como em um episódio do Scooby Doo revelando a todos que você é uma fraude!
Eu confesso que sinto isso. E pode acontecer com qualquer um, em qualquer fase da carreira, do novato ao artista consolidado; a biografia e entrevistas de muitos deles não nos deixa mentir (de Beethoven à Fernando Pessoa, Chimamanda N. Adichie à Tom Hanks). Para o mundo são grandes artistas, pilares de confiança, no espelho, se sentem impostores.
Para algumas pessoas, essa sensação não é passageira, é um padrão de pensamento, que retorna com frequência e impacta a forma como encaram a vida.
Mas de onde vem essa agonia toda minha gente?

É natural ter um certo nível de dúvida sobre si mesmo, em alguns aspectos pode ser benéfico. Excesso de confiança é outra forma distorcida de medir a realidade que pode ser tão ruim quanto a falta de confiança.
Para começar a entender esse imbróglio, a palavra chave é DESEJO. O simpático Schopenhauer dizia que o desejo é uma vontade incessante: assim que satisfeita, se transforma em novo vazio, gerando um ciclo interminável de carência. Lacan fala do desejo humano estruturado pela falta, sempre orientado para o inalcançável; o sujeito nunca se satisfaz plenamente, porque aquilo que busca nunca estará lá.
Essa ânsia por um horizonte que nunca se pode alcançar é a tônica não só de nossas cabeças, mas da sociedade e do capitalismo, os padrões de competição que mudam, nos festivais, nos editais, nas rodadas, nos laboratórios, nas demandas do mercado… alguns dizem em uma atitude cool que não gosta de competir, mas na verdade ninguém quer ficar para trás.
A Síndrome do Impostor, virou ou pouco moda, é tema de memes, tá na boca do povo… Não é uma condição médica oficial, mas quem estuda classifica de moderada a intensa. De acordo com a Dra. Pauline Rose Clance (1985), que cunhou o termo, essa síndrome atinge pessoas que, mesmo cheias de conquistas, se sentem como "fraudes intelectuais". Elas creditam seu sucesso à sorte, a conexões ou a pura exaustão – qualquer coisa, menos à sua própria inteligência e mérito.
Esse comportamento é marcado pela subestimação das próprias competências e pela superestimação das dos outros, um padrão alimentado por elevados níveis de insegurança e uma constante necessidade de comparação social.
As redes sociais proporcionam um ambiente aberto e repleto de ferramentas que facilitam comparações sociais em tempo real e em qualquer lugar. Essa "vitrine" virtual constante expõe o indivíduo publicamente, criando um ciclo de julgamento alheio e autoavaliação crítica.
O artista, mesmo diante de conquistas reais, é tomado por uma sensação persistente de impotência depois de momentos de “sucessos” e “fracassos” cíclicos.
O tempo de maturação dos projetos no audiovisual é tão largo e exaustivo, que é difícil manter a fagulha do desejo daquele projeto acesa. As dúvidas começam a surgir, a recompensa pelo esforço começa a parecer fruto do acaso, cada projeto aceito parece um equívoco de quem o selecionou.
Pode surgir também a crença de não estar à altura do que propôs, de não ser capaz ou habilitado o bastante para sustentar a própria trajetória. O sujeito começa a se definir mais por suas falhas do que por suas realizações concretas.
Nessa egotrip negativa a gente mergulha em comparações constantes, no medo de exposição e no adiamento da criação, no pântano da procrastinação, como se a confirmação de sua incompetência fosse inevitável e apenas aguardasse o momento de se revelar.


O que é engraçado é que quem é de fato impostor — no sentido literal da palavra como nossos amigos Milli Vanilli , alguém que ludibria ou finge ser o que não é — dificilmente se reconhece como tal; ao contrário, sustenta a própria farsa com convicção e costuma exibir uma confiança performática, mesmo que construída sobre mentira. E tá tudo bem, se você se reconhece nisso vá em frente não sou eu quem vou julgar.
Já quem não é impostor, mas sofre da chamada síndrome do impostor, sente-se constantemente inadequado, questiona o próprio mérito e teme ser desmascarado, mesmo tendo conquistas legítimas. A diferença central está na personalidade: o impostor “real” recorre à dissimulação para manter uma posição, enquanto o “falso impostor” é autêntico, mas vive sob o peso da dúvida e da insegurança.
O paradoxo é que o verdadeiro impostor acredita ser autêntico. E o autêntico um impostor.

Ou seja, se você pensa que é um impostor provavelmente você não é, você só precisa pegar mais leve consigo mesmo e tocar o seu barco.
A síndrome do impostor é um ruído interno que distorce a percepção de nosso próprio valor. Para o roteirista e o artista, pode ser tanto um obstáculo à confiança e à saúde mental quanto uma força que impulsiona para maior estudo, crítica e rigor criativo. Reconhecer esse duplo movimento é essencial: o desafio é transformar a autocrítica em aliada.




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